15h22 - quinta, 28/03/2019

A agricultura e os radicais


Fernando Almeida
A nossa história enquanto civilização é a história da colonização sucessiva de novos territórios por parte dos nossos antepassados que descobriram a agricultura. Aquilo a que chamamos "civilização", conceito que associamos ao desenvolvimento tecnológico e ao modo de vida sedentário e urbano, nasceu precisamente dessa capacidade de alguns, poucos, serem capazes de alimentar os restantes. E só isso permitiu e permite libertar cérebros e braços para as outras tarefas, criar conhecimentos e produtos novos, produzir afinal possibilidades de progresso.
Ao viajar por este Alentejo fora dei por mim a olhar os campos agrícolas, uns com os restos da campanha anterior, outros de sementeiras nascidas e em pleno crescimento, e esventrados pelos ferros das alfaias, e à espera de semente ainda outros. E olhei, voltei a olhar, e pensei naquilo que podia ver e naquilo que não vendo me podia recordar de ter visto, e quase não encontrei produtos agrícolas hoje cultivados por nós que sejam nativos desta terra.
Os cereais de inverno, como o trigo e a cevada vieram do berço da agricultura e devem mesmo ter sido quase responsáveis pelo seu nascimento. Outros como o centeio ou o milho, também nos chegaram de fora: o primeiro talvez da Anatólia e o segundo das américas. Do oriente, base alimentar de milhões de pessoas, chegou o arroz. Os cereais, panificáveis ou não, tinham e continuam a ter uma enorme capacidade de acumulação de energia na forma de amido, e além disso podiam e podem ser conservados por longos períodos sem se deteriorar. Por isso foram a base alimentar do nascimento de diversas civilizações. Por aqui não devia haver nada que tivesse grande préstimo no que toca a cereais, e se não tivessem vindo de fora a nossa vida de sedentários teria sido difícil.
Dos legumes que comemos hoje, possivelmente haveria entre nós também muito pouca variedade. Parece que havia por cá alfaces, acelgas, nabos, algumas couves, cenouras, alhos, espargos e alcachofras, além de ervilhas e possivelmente favas e tremoços. Tudo ou quase tudo o resto veio de fora. Da Ásia vieram muitos outros como a cebola e o espinafre; das américas vieram imensos produtos alimentares tão fundamentais como a batata e o tomate, abóbora, batata-doce, e muitos outros que compõem a nossa dieta habitual; de África vieram ainda outros como os melões e melancias… Quanto às frutas que hoje se consomem entre nós, também só se teria por cá as peras e talvez alguns abrunhos e avelãs, e quase tudo o resto veio de fora. Tínhamos entre nós a bolota que seguramente era muito usada, e que segundo as mais remotas fontes históricas era por vezes uma base importante da alimentação dos povos da Península Ibérica. No que se refere aos animais criados para alimentação humana, por cá só mesmo os coelhos e eventualmente os pombos podem ter sido domesticados… Tudo o resto veio de fora.
Imagino com esforço como seria viver sem o nosso arroz, sem o pão ou a batata e tudo o resto que hoje é base da nossa alimentação. E não contar igualmente com vacas, burros e cavalos, cabras e ovelhas, não ter também galinhas, perus e pintadas… O modo de vida sedentário dos nossos avós baseou-se desde sempre na aquisição de novas sementes, procurando o enriquecimento progressivo e constante do património genético dos produtos alimentares cultivados. Sem essa permuta constante nem a agricultura nem a civilização seriam o que são. Por isso de algum modo a agricultura tem na sua essência a produção de plantas não nativas.
Mas a agricultura é também na sua essência mudança. Mudou a alimentação das pessoas, mudou o seu modo de vida, mudaram as paisagens, antes pouco influenciadas pelos humanos e suas atividades, e aos poucos transformadas até que muito pouco ou nada se conservou dos tempos pré-agrícolas.
Para alguns essa transformação representa o sucesso da humanidade na sua luta contra a natureza. Vêm no Homem capaz de domínio e poder, moldando a terra brava as seus desígnios, sinal de sucesso da espécie e um bom augúrio para os tempos vindouros. Estes não se importam com a degradação dos solos, com o envenenamento das águas, com a extinção massiva da vida, crentes que na sua superioridade o homem já não necessita da natureza.
Para outros, o homem é fonte de todos os males, responsável por uma devastação sem precedentes da vida, fera autista incapaz de convívio harmonioso com o planeta, ser demoníaco que deveria ser erradicado da sua superfície.
É claro que é inaceitável o radicalismo de alguns que queriam apenas produzir nos nossos campos as plantas e animais nativos deste canto do mundo. Morria-se de fome em pouco tempo, e o mundo não ficava melhor por isso. Mas outros, capazes de envenenar a terra onde os filhos crescem, a água que bebem e o ar que respiram sem perceber o erro, revelam igual impudência e falta de sabedoria, além de um egoísmo inqualificável.
Há, como quase sempre na vida, uma medida intermédia nascida do realismo e bom senso que constitui uma saída com futuro. A agricultura, base fundadora essencial da nossa sociedade pode e deve ser feita, e certamente com plantas domesticadas em outros locais do mundo. Mas deve ser feita de forma a não degradar os solos, as águas, o ar, e a respeitar os restantes seres vivos. E isso é não só possível como será certamente o único caminho que nos permite sonhar com um futuro harmonioso e próspero.

O autor utiliza o
Novo Acordo Ortográfico



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