16h57 - quinta, 04/05/2023
Uma seca que veio para ficar...
Carlos Pinto
Atravessar o Alentejo de lés-a-lés e, depois de entrados em Espanha, continuar viagem pelas "autovias" da Andaluzia são a melhor forma de vermos com os próprios olhos a transformação que está a acontecer na nossa paisagem. Não obstante a gigantesca macha verde de olival que encontramos ao largo de centenas de quilómetros, o que mais salta à vista neste percurso é o avançado estado de desertificação do território.
Terrenos secos, áridos, com pouco ou nenhum pasto, é um quadro comum a muitas zonas do sul da Península Ibérica, numa prova evidente dos efeitos causados pelas alterações climáticas e pelos prolongados períodos sem precipitação. Não é só a atividade agrícola e pecuária que ficam em risco, como a própria subsistência humana e a preservação da biodiversidade local.
Ainda no domingo, 30 de abril, uma reportagem do "Público" dava conta de como a seca estava a "asfixiar" o sul de Espanha. Segundo a reportagem, nos campos de Escacena del Campo, em Huelva, existem "enormes pedaços de terrenos de um dourado intenso, que salta dos campos de trigo-duro". Assim descrito até parece bonito de ver
mas estamos em plena primavera e tudo "deveria estar ainda verde", como conta à jornalista um responsável pela Cooperativa Campo de Tejadas.
O deserto africano está a "subir" rumo a norte e este retrato não é apenas castanho como o pó, mas sim muito negro. Também no Alentejo Litoral, com o mar como vizinho, o cenário está longe de ser tranquilo. Ao longo dos últimos anos, o volume de águia armazenada em Santa Clara tem diminuído drasticamente e já se começam a tomar medidas "a sério" [ver textos nas páginas 02 a 05].
Ainda assim, o recente despacho do Ministério da Agricultura a suspender a instalação de novas estufas na zona pode pecar por tardio e ser insuficiente para assegurar a "segurança hídrica" desta albufeira.
Por isso mesmo, está na hora de nos deixarmos de medidas transitórias e pensar com "cabeça, tronco e membros" os passos a dar no curto e médio prazo. Desde logo, parece tão evidente como urgente a necessidade de modernizar todo o Perímetro de Rega do Mira, para evitar consumos excessivos e, pior, desperdícios.
Em paralelo, seria de todo aconselhável que se estudasse uma eventual ligação de Santa Clara à rede secundária do Alqueva, por forma a garantir a esta albufeira uma "rede de segurança" para garantir, primeiro que tudo, o abastecimento às populações e, se possível, à atividade económica. Porque como se costuma dizer, "água é vida". Sem ela viveremos muito menos e, queiramos ou não, a seca veio para ficar
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