16h14 - quinta, 12/10/2023
Dos filisteus aos palestinianos
Fernando Almeida
"E os filisteus dispuseram-se em ordem de batalha, para sair ao encontro de Israel; e estendendo-se a peleja, Israel foi derrotado diante dos filisteus, porque mataram na batalha, no campo, uns quatro mil homens."
Ant. Test,. SAMUEL 4:2
Há mais de três mil anos os filisteus ocupavam uma pequena área do litoral sul do Mediterrâneo Oriental e disputavam com os hebreus o domínio dessas terras entre o mar e os desertos do interior. Os filisteus bíblicos são provavelmente parte dos chamados "povos do mar" que assolaram o Egipto durante o século XII a. C. e que foram derrotados em várias batalhas navais por Ramessés III. Parece que os "povos do mar" teriam tido origem no continente europeu e que por algum motivo migraram para o rico e desenvolvido Mediterrâneo, tendo contribuído para uma grande instabilidade nas populações da região que ao fugirem dos invasores acabavam elas próprias por invadir outros povos e provocar a sua fuga. Talvez tenha sido essa a causa de uma provável migração de povos do Próximo Oriente para a Península Ibérica nesses tempos remotos. Se assim foi, como parece ter sido, foram eles certamente que trouxeram até nós a escrita que aparece em lajes de pedra no Baixo Alentejo e no Algarve, e que remontam ao início do primeiro milénio a. C..
Em certo momento da História antiga os filisteus, tendo como centro do seu território a região que é hoje a "Faixa de Gaza", teriam o reino de Judá a leste e o reino de Israel a norte, mas parece que também partilharam o mesmo território com os hebreus, ora sob domínio destes, ora sendo eles a dominar. O Antigo Testamento dá-nos abundantes testemunhos desse contacto quase sempre litigioso entre os dois povos, e refere-se aos filisteus centenas de vezes. Pouco tempo antes da instalação dos filisteus no levante do Mediterrâneo, tinham fugido os israelitas do Egipto a caminho da "terra prometida" em Canaã, que depois da longa travessia do deserto e da morte de Moisés, foi conquistada sob o comando de Josué.
Muitos dos episódios bíblicos do Antigo Testamento mais conhecidos são passados tendo como intervenientes hebreus e filisteus. Quem não conhece a história do pequeno pastor David, que apenas com uma funda derrotou o gigante e bem armado Golias? Quem não se lembra de Sansão, o poderoso e desejado filho de Zorá, que matou mil filisteus apenas com a queixada de um jumento?
Convém referir que este povo bíblico que hoje conhecemos por "filisteus" também era designado nos textos antigos por "palaestinus" e que, sabendo-se que nesses tempos nas línguas semitas antigas não se distinguia o "p" do "f", permite melhor perceber que os "filisteus" da Bíblia são no essencial os avós dos palestinianos dos tempos modernos. Quando vemos hoje o conflito entre o estado de Israel e os palestinianos da Faixa de Gaza ou da Cisjordânia não devemos esquecer que esta relação tem um passado de antagonismo que possivelmente ainda hoje marca a relação entre os povos.
Mas a história do povo hebreu levou-o a deixar à força a "terra prometida" de Canaã. Num primeiro momento, os judeus do século VIII a. C. são levados para a Babilónia por Nabucodonosor e só dois séculos depois é Ciro, o Grande, imperador persa, que os liberta do cativeiro na Babilónia e os faz regressar à terra dos seus antepassados. Mas já na nossa era, são os romanos que destroem o templo de Jerusalém e promovem a deportação dos judeus para longe da sua terra natal. Alguns foram para a África do Norte, outros para a Ásia Menor, outros para o sul da Europa
Muitos vieram para a Ibéria, onde ficaram conhecidos como "sefarditas". A diáspora judaica foi tão profunda e generalizada, que no século XIX menos de cinco por cento da população que vivia na Palestina era composta por judeus, sendo a população palestiniana, de religião muçulmana, esmagadoramente dominante.
Ainda no século XIX surge o movimento sionista que preconiza o regresso dos judeus dispersos pelo mundo à ancestral terra de Israel, e muitos judeus dispersos pela Europa começam mesmo a estabelecer-se na Palestina, comprando terrenos e constituindo comunidades.
É na sequência da segunda Guerra Mundial, e das atrocidades feitas aos judeus pelo regime Nazi, que o movimento de migração para a Palestina se intensifica, culminando com a declaração da fundação do Estado de Israel em 1948. Hoje Israel tem mais de nove milhões de habitantes e continua a haver muitos milhões de judeus a viver em países da Europa e Américas.
Desde o momento da sua fundação até aos nossos dias o Estado de Israel foi conquistando territórios aos palestinianos, privando-os das suas terras, da sua água e mesmo da sua liberdade. E em parte foi por isso que as guerras entre os povos da região se sucederam.
A Faixa de Gaza, de onde o movimento Hamas lançou um conjunto de ações bélicas contra o Estado de Israel, é hoje quase uma "prisão ao ar livre" para os seus quase dois milhões de habitantes, pelo que não admira que as suas populações deem apoio a um movimento radical e tirânico, considerado terrorista pelo Ocidente e que mesmo com a Autoridade Palestiniana não consegue entendimentos.
Estou em crer que, como quase sempre acontece, as pessoas de ambos os povos quereriam apenas que os deixassem criar os filhos em segurança e que tivessem para eles um bom futuro. Mas há sempre os que a partir do estrangeiro estimulam os conflitos como forma de dividir e enfraquecer os outros, e também os que, mesmo dentro das suas comunidades, encontram nas guerras vantagens pessoais inconfessáveis.
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