16h32 - quinta, 16/05/2024

Mudança


António Martins Quaresma
Habituámo-nos a pensar que as mudanças na natureza se caracterizam pela lentidão, fora do alcance do tempo de vida do Homem. No que respeita à fauna e à flora marinhas, a informação de que já houve pesca à baleia, por exemplo, na costa portuguesa, na Idade Média, pode deixar-nos surpreendidos, mas logo desvalorizamos o facto porque já foi há muito tempo. Agora, quando no período de duração da vida de uma pessoa, esta se apercebe de radicais alterações, o assunto assume outro dramatismo.
A pesca do atum, que no Algarve se fez durante séculos e veio até pouco depois de meados do século XX, teve um longo e considerável impacto na economia e na sociedade da região, dando, inclusive, origem a uma indústria conserveira de apreciável dimensão. As armações, aparelhos de pesca fixos, que no Algarve se chamavam almadravas, todos os anos instalados nas águas algarvias, despareceram, assim como desapareceu a economia e a típica faina que estavam associadas. Topónimos como Armação de Pera lembram ainda essa actividade.
No rio Mira, a pesca à corvina, outra espécie que podia atingir dimensão e peso significativos, praticada ao século XX, é uma prática que também "passou à história". Recordo alguns exemplares de mais de 30 kg, apanhados por pescadores de Milfontes. Como espécie migradora, ela penetrava no estuário, entre abril e julho, para desovar, altura em que se verificavam as capturas. A redução dos efetivos, pelo menos dos grandes exemplares, pode considerar-se normal, atendendo à pressão humana sobre o habitat, pressão que, no entanto, conheceu alguma regulamentação.
Ainda na minha juventude, a presença abundante do peixe-espada branco na costa alentejana produzia fartas pescarias pelos pescadores locais. Aliás, vendia-se à unidade e não a peso. A sua abundância na praça e o preço geralmente baixo tornavam-no um alimento popular, que se consumia geralmente grelhado. Como espécie voraz, cheguei a ver um exemplar saltar para a areia da praia, quando perseguia pequenos peixes de que se alimentava. O desaparecimento do peixe-espada, nesta costa, é uma das mudanças mais significativas de que me lembro.
Quanto à flora, recordo as enormes quantidades de algas, que todos os anos davam à costa, principalmente em agosto e setembro, arrancadas pelo mar bravo (o swell, que repercutia a agitação marítima de distantes tempestades), formando autênticas "montanhas" em algumas praias, mais suscetíveis, como o Carreiro da Fazenda, cerca de 1.300 metros a norte da foz do rio Mira.
Eram diversas as espécies que então podiam ser vistas, mas avultavam as laminárias e uma multiplicidade de algas vermelhas e castanhas. O povo designa-as genericamente por "limo", mas individualizava algumas, como, por exemplo, as macroalgas chamadas "golfos". Nos anos de 1960, grande número de pessoas dedicava-se à sua recolha, devido à valorização de algumas espécies destinadas à fabricação de agar-agar, como era o caso das algas vermelhas agarófitas, de que era extraído o agar, substância utilizada, nomeadamente, na alimentação e na indústria farmacêutica.
No interior do estuário, espécies como a zostera noltii, a que os naturais chamavam "cebas" e cujos bancos marginavam as bordas estuarinas, têm, igualmente, sofrido quebras nas últimas décadas.
Mas a espécie cuja extinção é bem notada é a localmente chamada "erva (de) salema" (Fucus vesiculosus L), uma alga castanha, com as características vesículas, utilizada no Litoral Alentejano, para pescar à salema (Salpa, salpa), mas com outras utilizações ao longo da costa portuguesa. Esta alga, que cobria rochedos e simples pedras, praticamente desapareceu.
Naturalmente, estas variações podem estar relacionadas com diversos factores, em particular nos habitats. Talvez, no que toca à fauna, a captura excessiva também tenha contribuído. Mas é possível que algumas causas nos escapem, apesar de haver biólogos que se dedicam ao estudo destes fenómenos. Das consequências das tão faladas "alterações climáticas", por que o nosso planeta passa, esperam-se muito significativas alterações na fauna e na flora, desde logo por causa do aumento da temperatura da água do mar, mas, pelo menos, algumas das que atrás foram referidas ainda não terão esta origem.
Uma coisa é certa: se no nosso mundo há particularidade imutável essa é a mudança, ocorra ela lentamente ou rapidamente, como nos casos antes apresentados.



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