14h45 - quarta, 16/04/2025
Trump: o lunático, ou talvez não
Fernando Almeida
Donald Trump, o presidente da maior potência militar do planeta, que nos condiciona fortemente e decide (muitas vezes contra o nosso interesse) muito do nosso futuro, tem sido tratado de forma pouco isenta e rigorosa pela nossa comunicação social. Quem me conhece ou acompanha os textinhos que há muitos anos escrevo para diversos órgãos de comunicação desta nossa região, terá a noção que Donald Trump não é personagem que me encha as medidas, antes pelo contrário. Na verdade nem a personalidade egocêntrica e arrogante do atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA), nem a sua ideologia me agradam. No entanto, a campanha que em uníssono a comunicação social faz contra ele parece-me totalmente desajustada e mesmo injusta.
A imagem que a comunicação social vem criando do atual presidente dos EUA é a de um homem perturbado, inconstante, radical e insensato. No que respeita à criação de taxas alfandegárias e outras medidas económicas, dão-nos a entender que o faz por impulso, sem estudos económicos que suportem as decisões, sem medir as consequências e, pior que isso, por uma certa maldade e até espírito de perseguição a alguns países, entre os quais os europeus. No entanto, não nos dizem quais os verdadeiros motivos para essas medidas, para que não possamos olhá-las de forma mais tolerante. Vejamos os factos.
Atualmente, a dívida pública americana anda perto dos 120% do PIB (Produto Interno Bruto), o que corresponde a mais de 36 milhões de milhões de dólares (número astronómico!), e o défice anda nos 7% ao ano. Dito de uma forma simples, o estado americano tem vindo a gastar muito mais que o que arrecada em impostos, criando uma dívida gigantesca que é preciso pagar, porque os "mercados" não perdoam. E esta dívida não pode de modo algum continuar a crescer sob pena de o país se encaminhar para a bancarrota. Note-se que os EUA já pagam juros da sua dívida entre os 4% e os 5% ao ano, o que implica uma despesa gigantesca (perto de 1,8 milhão de milhões de dólares por ano!). É claro que se o défice se encontra nos 7%, a situação agrava-se todos os anos de forma acelerada, pelo crescimento do volume da dívida, mas também pela subida da taxa de juro que pagam por ela. Se a situação do estado americano é péssima e não dispensa medidas de austeridade urgentes (embora disfarçadas), o desequilíbrio entre as importações e as exportações é igualmente insustentável: o défice do comércio externo é de 3,5% do PIB, o que significa que os americanos, no geral, importam muito mais que aquilo que exportam, o que resulta de vários fatores, entre os quais surge com maior importância a desindustrialização do país que se vem agravando ano após ano desde o final do século passado.
Embora haja outras razões que explicam as decisões de Trump no que toca a taxas alfandegárias, basta perceber o estado a que chegaram as finanças públicas do país para perceber que ele está simplesmente a tentar evitar o abismo da bancarrota. É claro, e nós sabemos isso por experiência própria, que é muito mais popular esconder a situação financeira do país, continuar a pedir emprestado aos "mercados", gastar descontraidamente para manter a popularidade e ganhar eleições... Nós tivemos governos assim, que agravaram os problemas já existentes até ao ponto de ser necessária a intervenção da "troika" para evitar a falência completa do estado. É claro também que corrigir o despesismo instalado por sucessivas administrações é doloroso e impopular ("tachos" na administração pública, extinção de organismos de utilidade duvidosa, etc.). Do mesmo modo, a inflação que dentro de meses reaparecerá fatalmente se as taxas alfandegárias altas forem realmente implementadas, e os produtos estrangeiros muito mais caros (e inacessíveis a parte da população), serão muito desagradáveis. Tudo isto é impopular e, logo, facilmente criticável.
No que respeita aos gastos no estrangeiro, também terá que haver mudanças, pelo menos na redução das despesas militares, trocando, por exemplo, os gastos já quase inúteis na Ucrânia (serão totalmente inúteis depois de a Ucrânia assinar acordos que cedam as suas riquezas aos EUA), por contratos vantajosos com os gigantescos recursos da Rússia. Mas, sobretudo, terá que reduzir as despesas com as mais de 800 bases militares que os EUA têm no estrangeiro e que são um sumidouro de dinheiro só comparável ao pagamento dos juros da dívida. Por isso, o número de militares americanos na Europa terá tendência a diminuir desde já e, por certo, se irá continuar a reduzir progressivamente no futuro, a menos que os europeus paguem bem esse serviço.
No que respeita ao desequilíbrio da balança comercial, as taxas alfandegárias também têm a função de tentar promover a redução do consumo de produtos importados e a reindustrialização do país, que ao longo de dezenas de anos foi perdendo capacidade produtiva para a Ásia, para os vizinhos mais próximos como o México e o Canadá, e até para a Europa. Por muito que seja impopular e desagradável, um país não pode estar eternamente a importar muito e a exportar pouco, e também neste aspeto algo terá que ser feito. Trump sabe-o e está a tentar corrigir essa situação. O estabelecimento de pesadas taxas aduaneiras não só fornece uma boa maquia ao estado, como cria condições para que algumas empresas regressem aos EUA, como vai mesmo provocar a subida dos preços dos produtos importados, reduzindo assim o seu consumo e as importações, e tudo isso tende a equilibrar o saldo da balança comercial. Acresce ainda um efeito indireto que resulta da desvalorização do dólar, o que aumentando a competitividade das exportações americanas também ajuda a reduzir as importações e logo o déficit da balança comercial.
Estas mudanças, podendo eventualmente ajudar a resolver os problemas de fundo dos EUA, também vão ter seguramente impactos negativos violentos durante alguns anos, o que prejudicará principalmente, como geralmente acontece, as classes mais pobres. Mas parece que isso também foi pensado pela equipa de economistas que certamente ao longo de anos gizou o plano: a deportação em larga escala de emigrantes ilegais e o aumento da industrialização que se pretende vão criar uma baixa taxa de desemprego, carência de mão-de-obra, logo subida dos salários mais baixos, o que tenderá a compensar, pelo menos parcialmente, o efeito negativo da inflação. Quando se olha com cuidado para as medidas que Trump está a tomar, vê-se que provavelmente não são fruto do acaso ou tomadas por impulso, de forma aleatória e desconexa, como se tenta insinuar.
Quem nos tenta convencer que Trump só toma decisões com base na arrogância e sem medir as consequências, está mais interessado em criar uma imagem negativa de Trump, que em analisar com objetividade o mundo. Resta, no entanto, saber se o plano da administração americana vai funcionar, porque o resto do mundo também tem vontade própria, as suas armas, e há outros poderosos e astutos jogadores. A China, maior potência industrial do mundo, tem milhares de anos de experiência e é muito influente nos países do "Sul Global"
E a Europa, ou melhor, a União Europeia? Irá manter a sua subserviência aos Estados Unidos da América, mesmo com o detestado Trump na presidência, ou terá coragem de se desligar das ordens de Washington e procurar as soluções que mais interessem aos seus povos? Estaremos cá para ver.
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