quinta-feira, 11/09/2025

Galhas bugalhos e insetos galhadores


Fernando Fonseca
Desde que me lembro, o gosto de compreender o que não conheço sempre me acompanhou desvendando o mistério das coisas. (V.F.)
Do meu trabalho como professor ficou-me o gosto de ensinar o que de útil possa interessar a terceiros, sentindo imenso prazer por divulgar algumas descobertas que a vida me tem proporcionado, ciente de que os saberes adquiridos não devem ficar aprisionados na mente de cada um, mas ser divulgados, para que outros beneficiem deles.
Vem isto a propósito de galhas, bugalhos (bu + galh(o) (a)s), e respectivos galhadores.
Há dias fiquei surpreendido porque um conhecido meu, que nos seus cinquentas e tal anos, tem vivido no Litoral Alentejano e Algarvio não sabia o que era um bugalho. Incrédulo, acabei por acreditar na sua sinceridade.
Era garoto quando o meu pai me explicou que os bugalhos eram provocados pela picada de um inseto no acto de depositar um ovo na flor do sobreiro dos carvalhos ou da carvalhiça, como acontece com o bicho da maçã. Só que na maçã não impede a formação do fruto, enquanto nas plantas da família Quercus, uma substância química que acompanha o ovo, provoca uma “infeção” no gineceu, transformando a genética do que estaria destinado a ser bolota, transformando-o num bugalho com o interior macio acastanhado, que protege o ovo das variações térmicas e lhe permite a metamorfose em segurança, até se tornar insecto perfeito; num galhador.
Diversas vezes demonstrei o fenómeno a amigos que pensavam ser o bugalho um fruto, e abrindo-o desde que ainda não tivesse um furo na superfície, revelava a existência do ovo e assim, o segredo do bugalho.
Há cerca de um mês, ao revelar o fenómeno a pessoa amiga, tive a extraordinária satisfação de observar pela primeira vez, um inseto que rompia a casca do ovo onde se desenvolvera. Perante os nossos olhos, uma pequena vespa galhadora a desentorpecer o corpo, preparava-se para voar para cumprir o seu destino de garantir a continuidade da espécie, repetindo o processo que lhe permitiu, a ela, viver. Investiguei e fiquei a conhecer a vespa Cynips Tozae, que apresento nas figuras 1 e 2.
No princípio desta primavera, reparei que as acácias “de espigas” que invadem quase todo o litoral português e especialmente a costa alentejana que me têm dado tanto trabalho a controlar, em vez das vagens castanhas com as sementinhas, apresentavam aglomerados de galhas de coloração verde a evoluir para avermelhada.
Lembrando-me do que se passa com os bugalhos, abri algumas destas novas e desconhecidas formações, descobrindo que quase todas tinham no seu interior dois ou três buracos mais ou menos esféricos, com larvas escuras de corpo ainda mal definido. E repeti o que fiz há cerca de trinta anos com uma vistosa lagarta que encontrei num ramo de arruda; recolhi-a com o ramo num frasco mal fechado e esperei. A espera, talvez de quinze dias, premiou-me com um exemplar lindíssimo da borboleta-monarca. Agora, colhi cinco galhas da Acáciae longifoliae, guardei-a num frasco e há três ou quatro dias fotografei um pequeno inseto com cerca de três milímetros que se passeava pelo interior do frasco. Fiquei a conhecer o inseto galhador, trichilogaster acaciaelongifoliae, que apresento nas figuras 3 e 4.
Esta descoberta trouxe-me à memória ter lido, ou ouvido, há cerca de quinze anos, que uma equipa de biólogos da Universidade de Coimbra planeava importar da Austrália um inseto originário do mesmo ecossistema daquela acácia, para tentar controlar a invasora na região de Aveiro e Figueira da Foz.
Farto de arrancar acácias novas todos os anos, porque nas propriedades abandonadas à volta da minha esta espécie está descontrolada e a disseminar-se pelos arredores, em março de 2023, numa sessão da Câmara Municipal realizada em São Teotónio, sugeri um protocolo com a direcção do PNSACV e o Ministério do Ambiente, com vista à criação de uma equipa de sapadores especializados, para erradicar as acácias invasoras que tanto preocupa os agricultores da charneca de Odemira. A proposta não mereceu acolhimento. Talvez já conhecessem o trabalho dos biólogos de Coimbra, mas desse eventual conhecimento nada transpareceu.
A experiência pegou. E devemos congratular-nos com a intervenção dos cientistas que compreenderam e adoptaram as estratégias de que a própria natureza dispõe para manter o equilíbrio ecológico, como podemos observar nestes dias, impedindo a reprodução seminal das acácias destruidoras da diversidade biológica.
A equipa que introduziu a Trichilogaster acaciaelongifoliae em Portugal é merecedora das melhores saudações. Bem-haja quem investiga e aplica os seus conhecimentos para bem comum.

(V.F.) Vergílio Ferreira in …escrevo para revelar o mistério das coisas

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