16h42 - quinta, 20/03/2025

Trump e as suas circunstâncias


Fernando Almeida
A figura do atual presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, tem vindo a ser muito criticada pela comunicação social portuguesa e europeia, o que não é novo, porque o mesmo já aconteceu durante a campanha eleitoral para a presidência americana. Se nos ficarmos pela visão que nos é apresentada por jornalistas e comentadores europeus (e evidentemente pelos americanos ligados ao Partido Democrata) teremos dificuldade de entender esta personagem, porque para além da sua personalidade, as suas decisões espelham na verdade as circunstâncias do país que dirige. Paixões pessoais à parte, vejamos porque Trump é o Trump que conhecemos.
Eric Wayne Burlison foi eleito para a Câmara dos Representantes dos EUA em 2024 e é membro do novo Comitê de Eficiência Governamental do Departamento dessa Câmara. Numa sessão desse órgão em fevereiro passado explicou por que motivos se torna imprescindível que a administração americana mude de rumo no que respeita às despesas do estado. Referiu aquilo que se sabe há muito, mas apresentou números atuais. Disse Burlison que "o povo americano deve cerca de 37 triliões de dólares" (37 milhões de milhões), o que significa que cada contribuinte americano deve em média mais de 323.000 dólares. Afirma também que se nada for feito, a Segurança Social entrará em falência em oito anos, e que o Medicare (sistema de seguros de saúde gerido pelo Governo dos Estados Unidos da América) falirá num prazo de 10 anos.
A situação dos EUA não é igualmente boa em termos de desenvolvimento e produção científica e industrial, dado que a China já ultrapassa em muito os Estados Unidos. Segundo os dados do Fundo Monetário Internacional, a China já ultrapassou os EUA em 2014 e a sua economia representa hoje perto de 18% do PIB mundial, enquanto os EUA, que foram a maior potência económica do mundo nos últimos 150 anos, se ficam por pouco mais de 15% do PIB do mundo.
Os Estados Unidos da América têm algumas despesas permanentes que sangram o país e o impedem de realizar os investimentos em infraestruturas necessárias para o seu desenvolvimento e para competir na liderança da economia mundial. Para além dos gigantescos custos com o serviço da dívida, têm despesas permanentes com mais de 800 bases militares no estrangeiro. Neste caso, é necessário perceber que as bases no estrangeiro eram um "investimento lucrativo" enquanto os Estados Unidos foram potência hegemónica, porque controlavam o mundo e impunham os interesses da superpotência americana: gastava-se dinheiro, mas, por exemplo, impedia-se que algum país tivesse a "ousadia" de vender petróleo numa moeda que não fosse o dólar. Lembramos certamente que os países que antes da guerra da Ucrânia tentaram vender recursos energéticos em euros foram o Iraque e a Líbia. Todos sabem também o que aconteceu a Saddam Hussein e a Muammar Kadafi e aos seus respetivos países…
Mas o mundo definitivamente está a deixar de ser unipolar e na multipolaridade atual o petróleo e outras formas de energia são já comercializadas à escala mundial em outras moedas, com evidente desvantagem para o dólar americano. Mesmo a monarquia saudita, aliado tradicional e confiável dos EUA, vende hoje o seu precioso petróleo em outras moedas, e outro tanto se vai passando no comércio de muitos produtos à escala global. E parece haver relativamente pouco que os EUA possam fazer para reverter essa situação…
Outras despesas têm vindo a sangrar os EUA, como a criação e manutenção de agências várias de vantagem duvidosa para o contribuinte americano. É o caso da tão falada USAID, que a coberto de algumas ações realmente meritórias e humanitárias tem gasto rios de dinheiro na implementação, à escala mundial, da "ideologia woke" e a patrocinar ONG's e órgãos de comunicação social, cuja função é a manipulação da opinião pública. Essas entidades serviram também para a promoção de golpes de Estado a que vamos chamando eufemisticamente "primaveras" ou "revoluções coloridas".
Acresce referir que, e não é menos importante, muitas das principais infraestruturas americanas estão obsoletas e a necessitar de investimento massivo e urgente – sabe-se que não há desenvolvimento industrial e económico sem infraestruturas modernas. Quando se observam os portos antiquados e se compara essa realidade com os modernos portos asiáticos, quando se observa que, por exemplo, a China tem mais de 40.000 quilómetros de linhas de caminho-de-ferro de alta velocidade, e que nos EUA nada existe nessa matéria, e mesmo se vê a degradação de coisas tão banais como as estações de metropolitano de algumas cidades americanas (com paredes com inscrições, gente sem abrigo e toxicodependente deitada pelo chão, ratazanas a passar, etc.), percebe-se que a decadência, se não for contrariada rapidamente, pode ser fatal.
Portanto, com a situação de dívida gigantesca que cresce milhões de milhões todos os anos e cujos juros é necessário pagar, com uma indústria em queda que nas últimas dezenas de anos migrou para os países da Ásia e para outras geografias, como o México, com despesas militares insuportáveis e não rendíveis, com infraestruturas a necessitar de urgente modernização, alguma coisa terá mesmo que ser feita.
É claro que sem se conhecer e compreender este contexto da realidade americana será difícil perceber as atitudes de Donald Trump, mas se repararmos com algum cuidado veremos que as propostas e decisões da atual administração americana vão exatamente no sentido de dar resposta a esta situação real: travar o crescimento da dívida, reindustrializar o país, reduzir custos desnecessários e ruinosos para o Estado, a começar pelas despesas militares. É tendo em conta esta situação que a administração americana toma decisões, como seja resolver o mais rápido possível a guerra na Ucrânia (não porque Trump seja um pacifista ou esteja apaixonado por Putin), e ir reduzindo as bases militares desnecessárias no estrangeiro.
Veremos em breve algumas consequências de tudo isto para nós, portugueses, e um dia pode ser que venhamos a conversar sobre o assunto.



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