10h17 - quinta, 11/03/2021

Maria da Luz Seixas


Rui Graça
A Arquitecta Maria da Luz Seixas, ao contrário da esmagadora maioria dos arquitectos com trabalho dedicado à taipa que se estabeleceram no concelho de Odemira, está sediada em Serpa.

Conheci a Maria Seixas quando nos cruzámos, por um curto período de tempo na direcção do Centro da Terra, associação que promove e divulga a arquitectura em terra no nosso país. Na mesma altura conheci o trabalho da empresa de construção "Betão e Taipa" do marido, Francisco Seixas, à qual, para quem se interessa por construção em terra, é impossível ficar indiferente, tal o arrojo e inovação que utilizam nas suas obras em terra.

A nossa conversa decorreu precisamente na sede da "Betão e Taipa", de vanguardista arquitectura em terra. É aí que a Maria da Luz Seixas também tem o seu gabinete e desenvolve os seus projectos de arquitectura.

RG - Serpa é uma cidade onde se respira património arquitectónico tradicional e histórico, que justamente tem sido bem valorizado. De que forma esse património arquitectónico influenciou a sua vida profissional?

MS - A vivência com a arquitectura tradicional alentejana, precisamente aqui em Serpa, de onde sou natural, acabou por marcar definitivamente o meu percurso como arquitecta.
Sinto um apelo muito grande pela construção tradicional alentejana, que inevitavelmente me traz sensações muito boas de criança. Quando tomei conhecimento que havia Arquitectos que estariam a "reinventar" a construção em taipa, procurei uma aproximação a essa iniciativa. Queria perceber como se estava a processar a nova aproximação às técnicas ancestrais de construção.
Acabei por criar uma excelente relação com os pioneiros da "nova" taipa, os arquitectos Alexandre Bastos e a Teresa Beirão, que eram na altura um casal. Senti-me privilegiada pela abertura destes meus colegas, que se transformou em amizade e que viria abrir caminho para o meu percurso na arquitectura tradicional alentejana.



RG - Eu diria que, se a Maria recebeu um apoio no início dos seus projectos em taipa, o retribuiu em dobro quando assumiu dar formação na Escola profissional de Serpa, precisamente quando essa instituição se dedicou ao ensino de técnicas tradicionais de construção, entre as quais a taipa.

MS - Efectivamente tive essa oportunidade, mas foi igualmente para mim um privilégio! Se a formação em construção civil é uma necessidade cada vez mais evidente (acho que todos já percebemos a falta de mão de obra qualificada na construção civil) eu testemunhei que essa formação em técnicas tradicionais é mais apelativa, pelo seu carácter artesanal. Os meus alunos gostavam de aprender a fazer paredes em taipa ou abóbodas, por exemplo. O carácter artesanal, quase artístico dessas técnicas, atraía jovens para esses cursos e mantinha-os estimulados. Ao contrário disso, na construção civil corrente, a percepção que eu tenho é que os jovens acabam por aderir a ela principalmente por recurso... Este aspecto devia ser valorizado porque nele reside um grande argumento da sustentabilidade da construção em taipa.

RG - Outro privilégio deve ser trabalhar de perto com uma empresa como a "Betão e Taipa", uma incontornável referência na construção com terra, deve deixar-lha as costas bem quentes...

MS - Sem dúvida! A empresa do meu marido tem aprofundado significativamente o estudo e as várias técnicas possíveis de construção em taipa. Reúne neste momento uma capacidade técnica considerável com obras marcantes, em taipa, como a piscina municipal de Toro, no Norte de Espanha, com 420 m3 de taipa, boa parte construída com temperaturas negativas!
Das obras da "Betão e Taipa" destaco ainda a habitação em Beja do conhecido arquitecto português, o Bartolomeu da Costa Cabral, a quem é atribuído um lugar de referência na viragem do movimento moderno da arquitectura portuguesa. Foi surpreendente o interesse do Bartolomeu pela taipa e, mesmo que a tenha utilizado duma forma muito própria, houve uma aproximação deste arquitecto às origens, tanto assim que eu, e a Teresa Beirão, que referi atrás, constituímos uma equipa de consultores para que o projecto e a obra seguissem da melhor forma.
Relativamente aos meus projectos em taipa, que se enquadram normalmente na arquitectura regional, não deixa de ser uma oportunidade, ter acesso a novas formas de compactação da terra. Eu considero que as tradições evoluem, por isso, a soma de novos recursos técnicos vem dar ainda mais opções a uma linguagem que só por si já é ilimitada do ponto de vista criativo.
Nos últimos anos a empresa do meu marido tem tido um volume cada vez maior de solicitações para a concretização de projectos em terra de gabinetes de arquitectos mais conhecidos e de maior dimensão. As soluções regionais começam a exercer um apelo cada vez maior também à elite projectista. Há por isso que valorizar as soluções técnicas mas também a sua contextualização cultural e regional para que essas construções venham a contribuir sempre para uma valorização arquitectónica e paisagística das regiões onde se inserem.



RG - Vejo pelos painéis que tem no seu atelier que já teve alguns dos seus projectos expostos em exposições dos quais destaco o Turismo Rural "O Cantar do Grilo". Chama-me a atenção a monitorização que este edifício teve ao nível da amplitude térmica e humidade relativa. Se a arquitectura tradicional pode despertar paixões, a construção em taipa permite atingir valores concretos que se traduzem em conforto e poupança energética. Pode explicar as medições e os resultados que elaboraram no "Cantar do Grilo".

MS - Muito sinteticamente, nas medições que fizemos, entre 1 e 15 de Julho de 2006 verificou-se que, com temperatura exteriores de 43oc, a temperatura no interior manteve-se estável e sempre abaixo dos 30º. É muito clara a vantagem da inércia térmica num clima como o do Alentejo que apresenta amplitudes térmicas diárias significativas.
Em relação à humidade relativa no mesmo período, no exterior varia entre 18% e os 84%. No interior as humidades mantêm-se dentro das gamas de conforto, entre os 40% e 60%.
Há a referir que os valores de humidade ou temperatura na tabela foram absolutamente passivos, não dispondo a construção em causa de qualquer aparelho eléctrico ou outro que contribuísse para os mesmos, o que é impressionante.
É importante salientar no entanto que a eficiência energética de qualquer edifício, depende da conjugação de vários fatores, entre eles: o Projeto de Arquitetura; o clima local, os materiais utilizados na construção; e também as boas práticas de utilização.


RG - Tive a oportunidade de falar com a jovem arquitecta que trabalha aqui consigo, a Alexandra Melão. Notei que dá um valor adicional aos projectos que desenvolve em taipa, como se associasse um sentido de missão à exaltação da arquitectura regional...

MS - Sem dúvida que a Alexandra é uma entusiasta da arquitectura tradicional e uma excelente profissional. Entendemo-nos muito bem na abordagem ao nosso património arquitectónico que passa pela preservação, restauro, mas também por encontrar a forma de o ampliar, resgatando e adaptando as inúmeras técnicas ancestrais, tornando-as válidas nos nossos dias.
Eu penso que a juventude tem mais presente a necessidade de sustentabilidade das construções. Talvez por isso, tanto na escola profissional como no meu atelier, a taipa atrai e estimula mais os mais jovens. A construção dos nossos avós é provavelmente mais cativante para os nossos filhos do que para os nossos pais...



Não há dúvida que as virtudes da arquitectura da Maria nos entram pelos olhos adentro, carregando a autenticidade e a pureza da arquitectura alentejana de Serpa, no entanto foi a sua experiência na formação que retive como um sinal de grande optimismo...

Se as novas construções em taipa representam quase sempre um acréscimo ao nosso património arquitectónico tradicional, a formação de novos empreiteiros, arquitectos e engenheiros pode representar um fenómeno cultural de valor inestimável.

A experiência da Maria é ainda um bom exemplo para clarificar que, de forma generalizada, o uso de técnicas tradicionais não se esgota nelas próprias. Muitas vezes esse conhecimento tem a validade de criar referências de composição e de técnicas que inspiram e dão consistência a outros projectos, mesmo de natureza distinta das obras tradicionais.

Eu pessoalmente, no último ano do meu curso de arquitectura, tive o privilégio de integrar a equipa que se responsabilizou pela fiscalização do Pavilhão de Portugal, na Expo na altura. Se a imagem deste projecto do famoso Siza Vieira é de uma laje em betão suspensa, como se de um lençol se tratasse, o que eu retive dessa obra foi a obsessão do Siza Vieira pelos pormenores da arquitectura tradicional lisboeta: os azulejos, a calçada à portuguesa, as cantarias em lioz ou o fabuloso trabalho de carpintaria. Também na arquitectura, o essencial é invisível aos olhos...

Se a construção dos nossos avós é mais atraente para os nossos filhos do que para os nossos pais, devíamos valorizar este sinal e dar-lhe o futuro que merece!












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