quinta-feira, 25/09/2025

A OTAN e as nossas elites


Fernando Almeida
Quando eu era jovem dizíamos que se houvesse uma terceira guerra mundial esta seria nuclear e, por isso, a que se lhe seguisse, uma eventual quarta guerra, seria de novo “à pedrada”. Brincávamos com o assunto, sabendo, no entanto, que o tema não era para brincadeiras: se existisse uma guerra generalizada entre potências nucleares, seria verdadeiramente o fim da civilização, com a destruição direta ou indireta de todo o planeta e suas formas de vida superiores. Sabíamos que seriam felizes os que morressem logo, porque os que tivessem a pouca sorte de sobreviver ao efeito direto das bombas iriam morrer inevitavelmente de forma lenta e dolorosa nos tempos que se lhe seguissem.
Nesse tempo, o nosso receio prendia-se com um eventual conflito entre a OTAN (ou NATO) e o Pacto de Varsóvia. Por esse motivo, quando o Pacto de Varsóvia se dissolveu, a própria URSS se desmembrou e até tentou aderir à OTAN (se calhar poucos se lembrarão disso), pensamos que já não havia motivos para preocupações no que respeita a guerras nucleares. Nesse tempo a CEE (Comunidade Económica Europeia) era um projeto criado para garantir a paz e a prosperidade dos povos da Europa. Parecia também que, como já não havia Pacto de Varsóvia nem União Soviética, a OTAN não fazia sentido e acabaria por desaparecer, tanto mais que, explorando alguma boa-fé (ou fraqueza) dos russos, lhes foi prometido que a OTAN não andaria para Leste nem um centímetro, ou seja, não havia interesse em fazer crescer essa organização já inútil.
Mas a verdade é que, como quase sempre acontece, os países do Ocidente não cumpriram o prometido e continuaram a expandir a OTAN para as fronteiras da Rússia até que começou a guerra na Ucrânia. Percebe-se agora que o antagonismo com a Rússia não era ideológico, não era um diferendo entre “capitalismo” e “comunismo”. O que estes daqui queriam era conseguir as riquezas da Rússia e não combater o suposto “comunismo”. Por isso, não permitiram a entrada da Rússia na OTAN, por isso continuaram a expandir a organização militar para as fronteiras da Rússia, por isso mantêm o antagonismo, mesmo agora que a Rússia tem um modelo económico tão “capitalista” como a Europa Ocidental ou a América do Norte.
Mas nessa tentativa de apropriação das riquezas da Rússia (e de enfraquecer o bloco asiático liderado pela China), voltamos a ter uma lógica de guerra, sobretudo impulsionada pelas elites políticas da Europa e pela anterior administração americana. Sabiam que ao fazerem o golpe de estado na Ucrânia e colocarem no poder figuras que lhes fossem fiéis e obedientes (um ator de comédia servia perfeitamente), poderiam levar a OTAN até muito perto da capital russa, e que os russos nunca permitiriam que existissem misseis com armas nucleares mesmo nas “suas barbas”. Portanto, ou dominariam os russos com os mísseis encostados a Moscovo, como espada afiada sempre encostada ao seu pescoço, ou obrigariam a Rússia a entrar em guerra para que tal não acontecesse. Pensaram que, nesse segundo caso, as sanções económicas e todo o tipo de bloqueios fariam os russos ajoelhar ou, melhor ainda, provocariam mal-estar, revoltas (mais uma “primavera” ou “revolução colorida”) que permitisse partir o gigante euro-asiático em países pequenos e controláveis. Mas tudo falhou: nem a Rússia entrou em crise, nem a administração americana se manteve e quem, na verdade, está numa crise cada vez mais severa na nova conjuntura é a Europa Ocidental.
No desespero de uma guerra que corre mal aos interesses das elites que nos dominam, tenta-se levar os povos da Europa a ter uma visão parcial e distorcida do que tem acontecido. Sabemos que as elites que tudo controlam (e se reúnem de forma discreta nas reuniões regulares do “Clube de Bilderberg” e organizações obscuras semelhantes) dominam a comunicação social que nos “vende” uma visão falseada do mundo real pela escolha dos comentadores, supostos “especialistas”, dos articulistas e dos jornalistas que nos entram diariamente em casa através da televisão. Durante muitos anos fez-se a preparação daquilo que acontece nos nossos dias: o trabalho dos órgãos de informação foi “diabolizar” a Rússia (como antes a Líbia, a Síria, a Venezuela, a China, e tantos outros que não lhes dão os seus recursos naturais e o trabalho dos seus povos). Tudo era mau na Rússia, desde o poder político, com eleições “manipuladas”, aos dirigentes cruéis, ao ambiente cheio de poluição e sem cuidado com a vida selvagem, à falta de respeito pelas opções sexuais dos cidadãos… Esse foi o preparar as opiniões públicas para o que se seguiria. Depois do início da guerra, os russos passaram a ser referidos como fracos, disseram-nos que lutavam com pás, que não tinham meias nem botas, fugiam como ratos face à superioridade das armas ocidentais; fizeram correr que Putin estava doente, tinha um cancro, tinha uma doença mental grave e irreversível, segundo eles andou desaparecido… A Rússia não passava de uma “estação de serviço” vendedora de combustíveis, sem tecnologia e com uma economia que ia entrar em colapso muito em breve; não tinham capacidade para produzir mísseis por falta de “chips”, disseram mesmo que os andavam a tirar das máquinas de lavar e dos frigoríficos… Não contentes com o chorrilho de mentiras com que tentam enganar-nos, inventam histórias de aviões com interferências no GPS, de mísseis que os russos tinham disparado contra a Polónia (quando todos sabiam que eram mísseis ucranianos), de drones que invadem o espaço aéreo de países da OTAN, de espiões, de navios que passam perigosamente pela nossa Zona Económica Exclusiva… Assustaram-nos e assustam-nos permanentemente dando a entender que a Rússia, mais cedo ou mais tarde, acabará por invadir os países do Ocidente. Mentiras e deturpações sem fim para fazer de nós tolos e conseguir que tomemos o partido das elites ocidentais que, não contentes com o que já dominam no mundo, querem sempre mais, querem tudo.
Mas o maior perigo é que aumentam permanentemente as provocações à Rússia, lançando ataques a partir de países da OTAN, como a Estónia, esperando que uma resposta russa possa fazer acionar o famoso “Artigo quinto” e isso nos conduza a uma guerra que force os Estados Unidos a entrar em guerra com a Rússia. É este caminho insano que os líderes europeus trilham, sem se preocupar com o facto de a guerra poder facilmente escalar para o patamar nuclear.
De crise em crise, cavalgando mentiras que à força de repetidas passam a ser vistas como verdades, vamos provocando a escalada que alguns parecem desejar. Não vemos os dirigentes europeus falar de paz, não vemos os dirigentes europeus preocupados com a degradação da economia da União Europeia, não vemos os dirigentes europeus a tomar medidas para reverter a nossa estagnação tecnológica e industrial, nem se preocupam com as questões sociais, com a saúde, com as reformas, com a educação… Apenas a lógica belicista a atiçar os ânimos e a tentar envolver os Estados Unidos numa guerra que mesmo os americanos não querem fazer.
Se acabarem por nos envolver numa guerra com a Rússia é de caso pensado, é fruto de um trabalho metódico e sistemático de preparação, de convencimento das opiniões públicas dos países da UE e de provocações à Rússia. Mas se acabarem por mandar os nossos filhos e netos morrer numa guerra que a nenhum de nós interessa, e nós mesmos conseguirmos sobreviver, deverão ser julgados por isso: estão a fazê-lo de forma premeditada e com má-fé, tanto os políticos responsáveis, como os jornalistas vendidos e os comentadores bem pagos para nos enganar. Nenhum deles tem perdão por subverterem o projeto de paz e desenvolvimento que era a União Europeia.
Fica a esperança que alguém mais sábio e ponderado consiga tomar conta do leme deste barco desgovernado e conduzir-nos a um porto seguro.

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