quinta-feira, 20/11/2025

A decadência da Europa

Fernando Almeida
Vejo muitas vezes o mundo de forma um tanto diferente daquilo que corre pela nossa comunicação social, daquilo que me sugeriram os professores na escola e mesmo do modo como a nossa intelectualidade de comentadores e influenciadores mais populares gosta de o mostrar. Por isso, com frequência refiro ideias desalinhadas com a voz mais corrente. Talvez seja também pela minha formação de geógrafo que procuro ver a realidade com os olhos da objetividade e da ciência e tendo a não seguir modas do pensar e do dizer.
Hoje quero falar-vos de alguns aspetos do mundo real e da nossa generalizada dificuldade em o apreciar, tanto no seu passado como nas suas mudanças mais recentes.
A mais generalizada forma de representar o mundo é através de mapas e é por aí que vou começar. Os planisférios mais divulgados entre nós, e que nos moldaram a imagem do planeta e dos seus espaços diferenciados desde os primeiros bancos da escola, refletem uma visão do mundo mais desenhado e descrito com base numa ideologia eurocêntrica, que numa observação objetiva e rigorosa da realidade. De facto, os mapas do mundo mais comuns são projeções cilíndricas em que na representação do planeta vemos paralelos e meridianos como linhas retas que se cruzam em ângulos de 90 graus, o que distorce grandemente a realidade do planeta, que é na verdade mais próxima de uma esfera. Claro que nos nossos mapas a Europa ocupa a posição central e está na parte superior, porque, tal como nos globos que usamos, não nos queremos imaginar de “cabeça para baixo”. Que fiquem de cabeça para baixo os do hemisfério sul! Mas os mapas assim criados, para além do mais, distorcem as áreas de latitudes mais elevadas, fazendo-as parecer muito maiores do que realmente são. A título de exemplo, podemos ver que em alguns mapas a Gronelândia parece uma ilha gigantesca, quase do tamanho da África, quando na verdade tem uma área menor que a República Democrática do Congo. Também provavelmente ninguém dirá que o Brasil tem mais do dobro da superfície da União Europeia, e que esta, a União Europeia, representa pouco mais de 40% da área total da Europa. Na verdade, muitos de nós até confundimos a Europa com a União Europeia, ou talvez com a “Europa Ocidental”, tal é a visão eurocêntrica que nos foi inculcada.
Se estivermos armados com um olhar objetivo do mundo, seremos obrigados a reconhecer que a Europa na verdade nem existe enquanto continente independente, dado que um continente, em princípio, é uma grande massa de terra separada das restantes por oceanos ou mares. E olhando para o mapa, teremos mesmo que reconhecer que este cantinho a que chamamos Europa não é mais que uma península recortada e irregular da Ásia, já que podemos ir a pé de Lisboa a Pequim sem nenhum mar que nos tolha os passos. Por isto me parece que o próprio conceito de “Europa” é mais fruto da vontade de diferenciação de caucasianos brancos (algo mais ou menos racista), que um facto geográfico real.
Se normalmente vemos os mapas distorcidos pelos nossos cartógrafos e pelo nosso olhar, em que as latitudes médias e altas aparecem sobrevalorizadas em relação ao mundo tropical, fazemos o mesmo em relação ao passado e à História dos povos, sobrevalorizando tudo o que é nosso (europeu ocidental) e fugindo assim ao rigor e à verdade dos factos. Se considerarmos um período dos últimos dez mil anos, a Europa sempre foi uma região marginal no que se refere ao desenvolvimento humano, à civilização, tecnologia e conhecimento. Desses dez mil anos, apenas nos últimos dois séculos a Europa mostrou capacidade de inovação e de produção de conhecimento assinalável. No “Velho Mundo”, antes disso, tudo ou quase tudo nasceu em África ou na Ásia, e só muito tardiamente cá chegaram as inovações e os desenvolvimentos que as sociedades de outras regiões fizeram nascer e desenvolveram. Foi assim com a agricultura, com a organização das sociedades sedentárias, com as cidades, com a metalurgia, com a escrita, com o papel, com a bússola… com quase tudo.
Esta visão eurocêntrica que criamos e tentamos manter a todo o custo estende-se à nossa visão da economia. Sabiam que há mais de 400 milhões de chineses (quase tantos como toda a população da União Europeia) que têm um rendimento (medido em paridade do poder de compra) superior ao português? E nós a pensar que eles trabalham por uma tigela de arroz! No que respeita à produção de conhecimento e tecnologia, quando vemos quantos engenheiros são licenciados por ano em cada país do mundo, observamos que para encontrar um país da Europa Ocidental temos que chegar à décima posição no ranking mundial. Quem imagina que o Irão, a Indonésia ou o México licenciam anualmente mais engenheiros que a França ou a Alemanha? Claro que da atividade destes muitos engenheiros vai nascer ciência, tecnologia, riqueza e desenvolvimento para esses países. Também não temos geralmente a ideia que atualmente a Ásia representa mais de 50% do PIB mundial, contra os 17,5% da União Europeia...
Mas não vemos (ou não queremos ver) que estamos a ficar para trás, na ciência, na inovação, na tecnologia e na indústria, e com arrogância como velha aristocracia falida continuamos a não perceber o que temos que mudar. Se a diferença no ritmo de crescimento das diversas regiões do mundo já se vinha a notar desde as últimas dúzias de anos, com vários países da Ásia a crescer muito acima do anémico crescimento da União Europeia, nos últimos anos a situação agravou-se ainda mais. Hoje a Alemanha – o motor industrial e económico da Europa Ocidental – está entre a estagnação e a recessão e espera-se que o crescimento do PIB da França se fique pelo mísero meio por cento. Felizmente para nós que a Espanha, para onde vai mais de um quarto das nossas exportações, mantém um crescimento económico bastante bom no contexto da União Europeia, embora incomparável com o que se passa na Ásia. Globalmente, prevê-se que nos países do Euro o crescimento seja totalmente medíocre, na ordem de 0,2%, o que é assustador.
Enquanto isso, os países da Ásia e Pacífico como a Indonésia, as Filipinas e o Vietname, ombreiam com a China e a Índia e em todos eles o crescimento do PIB de 2025 andará entre os 5% e os 8%, mostrando claramente que o desenvolvimento e o poder deixaram a Europa em direção à Ásia. E muitos outros países de diversas geografias têm as suas economias a crescer muito mais que a “Velha Europa”…
“Porquê esta decadência da Europa?” e “O que podemos fazer para evitar o descalabro que se avizinha?”, são as perguntas óbvias que teremos todos em mente. As respostas a estas perguntas, em meu entender, são complexas e uma explicação mais detalhada não cabe nestas linhas, mas uma coisa é certa: a nossa decadência tem responsáveis que são, evidentemente, as elites (políticas e económicas) que nos têm dirigido. Talvez, com mais ou menos consciência disso, os povos da Europa vão penalizando nas urnas os partidos tradicionais de poder e dando votos a outros (que não sei honestamente se serão melhores); vão desacreditando a informação da comunicação social do “sistema”, que tantas vezes têm informado de forma errónea e demagógica, vão-se entregando, sobretudo os jovens, às notícias que povoam as redes sociais e a Internet (que por certo, no geral, também não inspiram confiança); por fim, desacreditam os tribunais e a justiça, porque vêm repetidamente pouca verticalidade e lisura nesses órgãos de poder, e bastas vezes conluios com os poderes da economia e da política.
Quanto à possibilidade de inverter este rumo de decadência da Europa ocidental, não vejo possibilidades de isso ocorrer enquanto não se mudar muita coisa entre nós, a começar pelas elites que nos têm governado contra os nossos próprios interesses.
Mas por certo nada de fundamental vai ser alterado entre nós e a Europa irá continuar a afundar no caminho da total irrelevância. Mas como é habitual, encontraremos culpados no exterior e desculparemos os nossos dirigentes. E assim andaremos até que a Europa volte a ser o que sempre foi no passado: uma marginal e retalhada península da Ásia.
Hoje quero falar-vos de alguns aspetos do mundo real e da nossa generalizada dificuldade em o apreciar, tanto no seu passado como nas suas mudanças mais recentes.
A mais generalizada forma de representar o mundo é através de mapas e é por aí que vou começar. Os planisférios mais divulgados entre nós, e que nos moldaram a imagem do planeta e dos seus espaços diferenciados desde os primeiros bancos da escola, refletem uma visão do mundo mais desenhado e descrito com base numa ideologia eurocêntrica, que numa observação objetiva e rigorosa da realidade. De facto, os mapas do mundo mais comuns são projeções cilíndricas em que na representação do planeta vemos paralelos e meridianos como linhas retas que se cruzam em ângulos de 90 graus, o que distorce grandemente a realidade do planeta, que é na verdade mais próxima de uma esfera. Claro que nos nossos mapas a Europa ocupa a posição central e está na parte superior, porque, tal como nos globos que usamos, não nos queremos imaginar de “cabeça para baixo”. Que fiquem de cabeça para baixo os do hemisfério sul! Mas os mapas assim criados, para além do mais, distorcem as áreas de latitudes mais elevadas, fazendo-as parecer muito maiores do que realmente são. A título de exemplo, podemos ver que em alguns mapas a Gronelândia parece uma ilha gigantesca, quase do tamanho da África, quando na verdade tem uma área menor que a República Democrática do Congo. Também provavelmente ninguém dirá que o Brasil tem mais do dobro da superfície da União Europeia, e que esta, a União Europeia, representa pouco mais de 40% da área total da Europa. Na verdade, muitos de nós até confundimos a Europa com a União Europeia, ou talvez com a “Europa Ocidental”, tal é a visão eurocêntrica que nos foi inculcada.
Se estivermos armados com um olhar objetivo do mundo, seremos obrigados a reconhecer que a Europa na verdade nem existe enquanto continente independente, dado que um continente, em princípio, é uma grande massa de terra separada das restantes por oceanos ou mares. E olhando para o mapa, teremos mesmo que reconhecer que este cantinho a que chamamos Europa não é mais que uma península recortada e irregular da Ásia, já que podemos ir a pé de Lisboa a Pequim sem nenhum mar que nos tolha os passos. Por isto me parece que o próprio conceito de “Europa” é mais fruto da vontade de diferenciação de caucasianos brancos (algo mais ou menos racista), que um facto geográfico real.
Se normalmente vemos os mapas distorcidos pelos nossos cartógrafos e pelo nosso olhar, em que as latitudes médias e altas aparecem sobrevalorizadas em relação ao mundo tropical, fazemos o mesmo em relação ao passado e à História dos povos, sobrevalorizando tudo o que é nosso (europeu ocidental) e fugindo assim ao rigor e à verdade dos factos. Se considerarmos um período dos últimos dez mil anos, a Europa sempre foi uma região marginal no que se refere ao desenvolvimento humano, à civilização, tecnologia e conhecimento. Desses dez mil anos, apenas nos últimos dois séculos a Europa mostrou capacidade de inovação e de produção de conhecimento assinalável. No “Velho Mundo”, antes disso, tudo ou quase tudo nasceu em África ou na Ásia, e só muito tardiamente cá chegaram as inovações e os desenvolvimentos que as sociedades de outras regiões fizeram nascer e desenvolveram. Foi assim com a agricultura, com a organização das sociedades sedentárias, com as cidades, com a metalurgia, com a escrita, com o papel, com a bússola… com quase tudo.
Esta visão eurocêntrica que criamos e tentamos manter a todo o custo estende-se à nossa visão da economia. Sabiam que há mais de 400 milhões de chineses (quase tantos como toda a população da União Europeia) que têm um rendimento (medido em paridade do poder de compra) superior ao português? E nós a pensar que eles trabalham por uma tigela de arroz! No que respeita à produção de conhecimento e tecnologia, quando vemos quantos engenheiros são licenciados por ano em cada país do mundo, observamos que para encontrar um país da Europa Ocidental temos que chegar à décima posição no ranking mundial. Quem imagina que o Irão, a Indonésia ou o México licenciam anualmente mais engenheiros que a França ou a Alemanha? Claro que da atividade destes muitos engenheiros vai nascer ciência, tecnologia, riqueza e desenvolvimento para esses países. Também não temos geralmente a ideia que atualmente a Ásia representa mais de 50% do PIB mundial, contra os 17,5% da União Europeia...
Mas não vemos (ou não queremos ver) que estamos a ficar para trás, na ciência, na inovação, na tecnologia e na indústria, e com arrogância como velha aristocracia falida continuamos a não perceber o que temos que mudar. Se a diferença no ritmo de crescimento das diversas regiões do mundo já se vinha a notar desde as últimas dúzias de anos, com vários países da Ásia a crescer muito acima do anémico crescimento da União Europeia, nos últimos anos a situação agravou-se ainda mais. Hoje a Alemanha – o motor industrial e económico da Europa Ocidental – está entre a estagnação e a recessão e espera-se que o crescimento do PIB da França se fique pelo mísero meio por cento. Felizmente para nós que a Espanha, para onde vai mais de um quarto das nossas exportações, mantém um crescimento económico bastante bom no contexto da União Europeia, embora incomparável com o que se passa na Ásia. Globalmente, prevê-se que nos países do Euro o crescimento seja totalmente medíocre, na ordem de 0,2%, o que é assustador.
Enquanto isso, os países da Ásia e Pacífico como a Indonésia, as Filipinas e o Vietname, ombreiam com a China e a Índia e em todos eles o crescimento do PIB de 2025 andará entre os 5% e os 8%, mostrando claramente que o desenvolvimento e o poder deixaram a Europa em direção à Ásia. E muitos outros países de diversas geografias têm as suas economias a crescer muito mais que a “Velha Europa”…
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