quinta-feira, 04/12/2025

Porto de Sines

António Martins Quaresma
Era quase de esperar. O porto de Sines foi incluído, pelo governo português, no pacote de medidas de militarização da Europa. Em entrevista à Antena 1 e ao “Jornal de Negócios”, o presidente do conselho da Administração dos Portos de Sines e do Algarve revelou que está em curso o projecto de restruturação do terminal Multiporpose do Porto de Sines, tendo em vista, nomeadamente, adequá-lo à função militar. Para, segundo o mesmo responsável, seguir a trend que se observa na Europa, que tem a ver com o aumento apressado, mas inflamado, da capacidade de defesa. Defesa contra quem? Contra o “perigo russo”, que, num delírio coletivo, atemoriza os espíritos na velha Europa ocidental. O absurdo de tudo isto é que, objetivamente, nada indica que a ameaça russa é real. Aliás, a Rússia sabe, naturalmente, que não dispõe de meios demográficos, nem militares para proceder a uma expansão para ocidente. Na verdade, aquele país trava uma guerra defensiva contra o mundo ocidental, este sim ofensivo.
De há uns anos a esta data, muito antes de 2022, um bicho-papão, de sinistra presença e feroz atitude, ergueu-se, ameaçador, no horizonte dos pobres europeus. As elites políticas europeias, mormente os funcionários, diria melhor as funcionárias, superiores da UE, e os principais media, com a sua legião de comentadores, sustentam um discurso unanimista sobre a guerra na Ucrânia, em que emergem a ideia de “agressão sem motivo” e a comparação entre um ocidente (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha), autorrepresentados como democracias liberais, e uma Rússia autocrata. Não é objetivo desta crónica analisar os termos desta dicotomia, mas eles são bem escalpelizados, por exemplo, por Emmanuel Todd, historiador e antropólogo francês, no seu livro A Derrota do Ocidente (edição original: La Défaite de l´Occidente. Paris: Éditions Gallimard, 2024; ed. portuguesa: Cascais: Princípia Editora, 2025). Autor, recorde-se, que previu num dos seus livros o colapso da União Soviética. Em resumo, para Todd, a derrota do Ocidente não é sobretudo uma derrota militar “às mãos” da Rússia, mas um processo de autodestruição, um “niilismo económico”, que conduzirá “ao fim da Europa como zona de prosperidade”.
Esta Europa/UE, antigo espaço de paz, desaparecido por detrás da NATO, fortemente subordinada aos EUA – ainda que, recentemente, com alguns arroubos autonómicos face a Donald Trump – onde o belicismo submerge algumas propostas, já não digo pacifistas, mas de emprego da diplomacia. A Europa de Robert Schuman, Jean Monnet, Konrad Adenauer ou Jacques Delors acabou.
A crença arcaica na índole das pessoas (e dos povos) atravessa milénios no pensamento ocidental, desde Aristóteles, configurando um preconceito, um verdadeiro maniqueísmo, que, continua, em pleno século XXI, a fazer o seu caminho como se estivéssemos ainda em pleno domínio de sociedades teocráticas, muito assentes na existência de um mundo dividido, intrinsecamente, entre o bem e o mal. A russofobia atual, que tem, consabidamente, uma história, repousa, em certa medida, nessa crença antiga.
Vejamos os casos do Donbass e da Crimeia, uma das razões da guerra, onde havia combates desde 2014, com a o exército de Kiev a guerrear os autonomistas. Não se trata apenas de regiões russófonas, mas de terras povoadas por russos. A razão por que as fronteiras não foram redefinidas, após o fim da URSS e consequente independência da Ucrânia, deve-se à imprevisão do futuro, em que os atores, ainda influenciados pela realidade de URSS, não anteciparam a problemática que viria a ocorrer. Um caso curioso é o da Checoslováquia, em que pacificamente, reconhecendo diferenças profundas, as duas partes se separaram e se converteram em países diferentes.
Ora, o cinismo ocidental clama contra a cedência desses territórios pela Ucrânia, que a Rússia reivindica e o plano de paz de Trump contempla, fazendo dessa solução um “cavalo de batalha”, como se a Europa não estivesse cheia de redefinições de fronteiras recentes, a última das quais a da Jugoslávia, em que um país foi eliminado e fraccionado, chegando-se ao ponto da criação artificial de um país novo – o Kosovo – liderado por grupos ligados ao crime organizado. Tudo sob o comando da NATO.
Na realidade, a resistência à ideia de “espoliação de territórios ucranianos”, propalada pela UE e seus órgãos mediáticos amplificadores, não é mais do que um pretexto para manter a guerra, objetivo claramente perseguido por este conjunto de países europeus, cuja sanha anti-russa os leva a apostar na guerra “até ao último ucraniano”. Contudo, a única forma de terminar com este foco de confrontação é transferir a administração do território, cujos habitantes nunca aceitarão ficar sob o jugo do governo hostil de Kiev. No fundo, anuir à vontade dos povos, ou seja, praticar a democracia e o respeito pelos seus direitos e liberdades.
Voltando, a Sines e ao seu porto, a decisão de aqui instalar uma valência militar não é, por si só, uma decisão estranha. Se ela se devesse a um plano nacional de controlo do espaço marítimo português, com base nos interesses do País, estaria justificada. A decisão é, porém, bizarra, porque se enquadra na insanidade de um clima de histeria belicista que grassa numa Europa com prazo de validade terminado, sob o fantasma de uma ameaça que nada demonstra existir.
De há uns anos a esta data, muito antes de 2022, um bicho-papão, de sinistra presença e feroz atitude, ergueu-se, ameaçador, no horizonte dos pobres europeus. As elites políticas europeias, mormente os funcionários, diria melhor as funcionárias, superiores da UE, e os principais media, com a sua legião de comentadores, sustentam um discurso unanimista sobre a guerra na Ucrânia, em que emergem a ideia de “agressão sem motivo” e a comparação entre um ocidente (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha), autorrepresentados como democracias liberais, e uma Rússia autocrata. Não é objetivo desta crónica analisar os termos desta dicotomia, mas eles são bem escalpelizados, por exemplo, por Emmanuel Todd, historiador e antropólogo francês, no seu livro A Derrota do Ocidente (edição original: La Défaite de l´Occidente. Paris: Éditions Gallimard, 2024; ed. portuguesa: Cascais: Princípia Editora, 2025). Autor, recorde-se, que previu num dos seus livros o colapso da União Soviética. Em resumo, para Todd, a derrota do Ocidente não é sobretudo uma derrota militar “às mãos” da Rússia, mas um processo de autodestruição, um “niilismo económico”, que conduzirá “ao fim da Europa como zona de prosperidade”.
Esta Europa/UE, antigo espaço de paz, desaparecido por detrás da NATO, fortemente subordinada aos EUA – ainda que, recentemente, com alguns arroubos autonómicos face a Donald Trump – onde o belicismo submerge algumas propostas, já não digo pacifistas, mas de emprego da diplomacia. A Europa de Robert Schuman, Jean Monnet, Konrad Adenauer ou Jacques Delors acabou.
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