quinta-feira, 09/10/2025

Agora não, Carla!


António Martins Quaresma
Ao meu amigo A. já lhe aconteceu, mais do que uma vez, em esboço de discussões que ele atalhou imediatamente, explanarem-lhe na cara o que ele pensava sobre determinado assunto, atendendo ao seu pressuposto alinhamento partidário. Assim, sem mais, sem qualquer dúvida – e sem que ele próprio, o interessado, alguma vez se tivesse pronunciado sobre o que estava em questão, tão pouco sobre a sua adesão ideológico-partidária. Falharam em toda a linha, pois o pensamento de A. não se compaginava com as categorias e a semântica com que lidavam os interlocutores, presos a estreitas e simplistas noções, próprias de quem estudou pouco, mas absorveu muita propaganda.
Nos tempos que vão correndo, impregnados de discursos veementes sobre tudo e mais alguma coisa, mas de escassa ciência, qualquer cidadão pode ser “marcado”, sem apelo nem agravo. Por enquanto, geralmente, não oferece grande gravidade, mas gente da minha geração ainda recorda que uma das formas de prejudicar alguém era marcá-lo, por exemplo, como “desafeto ao Regime”, apodo que, durante o Estado Novo, podia levar uma pessoa à prisão. Digo “por enquanto”, porque o rumo que as coisas levam, num quadro de “pós verdade” e de desatino à escala internacional, em que as próprias elites governantes europeias dão o (mau) exemplo, parece anunciar um tempo inquietante.
A propósito, nesta questão do entendimento e da verdade sobre a realidade em que vivemos, é bom recorrer à Psicologia para fugir ao discurso meramente moral. De facto, a Psicologia explica muito sobre o funcionamento da mente humana e ajuda a entender os fenómenos.
Recordo, para começar, o princípio de Dunning-Kruger, do nome dos investigadores que estudaram o assunto (David Dunning e Justin Kruger), segundo o qual as pessoas com menos conhecimento tendem a sentir-se mais confiantes e a não reconhecer as suas próprias limitações. Assim, quanto menos sabem, mais julgam que sabem. A conhecida figura do “ignorante arrogante” tem muito a ver com isto.
Outro dos mecanismos psicológicos remete-nos para as percepções pré-existentes, que resultam de informação falsa, repetidamente produzida, que gera no sujeito uma “ilusão da verdade”. A máxima de que “basta repetir uma mentira para que ela se torne verdade” é uma das regras da propaganda. Hoje, as discussões, por exemplo sobre geopolítica, são contaminadas por percepções que resultam da ilusão da verdade. Este tema também foi objecto de estudo e é bem conhecido entre os psicólogos. Aliás, curiosamente, já vi o conceito ser utilizado por partes opostas em determinada matéria, o que mostra que as coisas não são simples.
Mais uma das “partidas” que a mente humana pode sofrer é observada na “teoria da dissonância cognitiva”, desenvolvida pelo psicólogo americano Leon Festinger, segundo a qual o indivíduo resiste a aceitar informação que se oponha às suas crenças. O sujeito projeta as suas ideias preconcebidas no “por exemplo”, o viés ideológico obstaculiza a que ele aceite aportes que ponham em causa as suas “certezas” políticas. É disso que trata a imagem que ilustra a crónica, apanhada na Internet, em que o indivíduo olha o televisor e responde à mulher, que o interpela: “Agora não, Carla, a CNN está prestes a dizer-me aquilo em que eu acredito”.
Se podemos perceber que um dos antídotos para estes erros está no estudo, numa formação sólida, sem dúvida no apuramento do pensamento crítico, não podemos deixar de aceitar que nem sempre tudo isto é suficiente. Ainda agora li uma polémica entre dois intelectuais, em que, de volta com os ideias, irrompiam argumentos ad hominem e até injúrias soezes, numa triste mostra de como a formação académica e até a capacidade científica são insuficientes, por si só, quando o tema interfere com emoções e fortes convicções prévias.
Parece-me que pode estar em causa a existência, maior ou menor, ou até a inexistência, de uma virtude que, à falta de melhor termo, podemos designar por “honestidade intelectual”, no fundo um conhecido conceito de carácter moral, que não é passível de mensuração ou, mesmo, de simples observação, a não ser na prática. Seja como for, o “caráter” do sujeito parece-me muito importante na hora do debate.
De resto, não tenho dúvidas, o texto que acabei de escrever poderia ser subscrito por muita e diversa gente, mesmo por aqueles em que estou a pensar como seus destinatários. As palavras, até quando resultam de uma atitude que se pretende crítica e esclarecedora, são sempre susceptíveis de serem recuperadas e atiradas de volta.

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