quinta-feira, 23/10/2025

Os que querem mudar e os outros


Fernando Almeida
Geralmente temos tendência para simplificar o mundo, dividir a realidade em categorias e arrumá-la em “gavetas”. Fica mais “arrumadinha”, e tanto para a organização das nossas ideias, como para falar delas com os outros, é muito facilitador. Mas na verdade, o mundo não é a “preto e branco” e tem, pelo contrário, incontáveis cores e tons, e também não tem “gavetas” arrumadinhas cheias de produtos homogéneos. Por exemplo, o mundo não se divide entre gordos e magros, mas tem antes infindáveis variações na relação corporal entre estatura física e peso. Fazemos isso com quase todas as coisas do mundo, reduzindo a muito pouco a sua infindável diversidade. Mas para nós é mais fácil categorizar a imensa diversidade do mundo real em meia dúzia de categorias a que damos nomes. Se repararem bem, é em boa medida isso que ensinamos nas escolas…
Sabemos que cada vez que criamos grupos supostamente homogéneos de entidades, que na verdade são diferentes, estamos a deturpar grosseiramente o mundo, tratando como semelhantes realidades que na verdade são diferentes. Sabemos disso, mas continuamos a usar as categorias que fazemos ou que alguém fez por nós… Nesta linha de classificação grosseira das coisas da vida, alguém dividiu as pessoas entre “conservadores” e “progressistas” (ou esquerda e direita), como se existisse na realidade uma linha a separar dois grupos de almas radicalmente distintas. Nós, que desde pequenos vemos que dividem o mundo desta maneira, acabamos às vezes por acreditar que ele está mesmo dividido assim e temos tendência para ir arrumando as pessoas que conhecemos numa dessas duas “gavetas”.
Quem se detenha com algum cuidado a verificar as características daqueles que nós classificamos como “progressistas” ou como “conservadores” já terá chegado à conclusão que esse é um enorme engano, porque a maioria esmagadora das pessoas, se nalguns assuntos prefere a estabilidade e a segurança do mundo de sempre, noutros assuntos não têm dúvida que é necessário o progresso, e que as mudanças são, não só desejáveis e positivas, como inevitáveis.
É verdade que alguns, para marcar a diferença face à sociedade, se radicalizam e querem parecer adeptos da imobilidade de todas as coisas da vida ou, pelo contrário, se mostram descontentes com tudo o que existe e é herança do passado, parecendo que só a mudança absoluta os satisfaz. Como quase sempre acontece, qualquer dessas formas de radicalismo ideológico foge ao bom senso e deve, na minha opinião, muito pouco à inteligência. Acresce a isso que pelo espírito de clã que é inerente à nossa espécie, temos tendência a aderir a grupos que se identificam com as nossas convicções, sejam partidos políticos, sejam confissões religiosas, sejam clubes desportivos, sejam até contactos mais informais de grupos de amigos. Depois, o contacto continuado com os que pensam como nós acaba por reforçar as nossas convicções iniciais. Na atualidade, os algoritmos das redes sociais e internet no geral ampliam estre fenómeno e levam-nos a pensar que quase todos os demais pensam como nós…
Julgo que a maioria das pessoas tem por convicção que o mundo tem que evoluir e tem que corrigir o que funciona mal, mas por outro lado sabe que as mudanças comportam riscos às vezes desconhecidos, e por isso tem algum receio e cautela quando se trata de mudar. Além disso, uma sociedade envelhecida como é a nossa tem um suplementar medo de mudar, desde logo porque os velhos não têm a mesma facilidade de adaptação às novidades que têm os mais novos. Sabem que a mudança é importante e inevitável, mas também insegura e por vezes dolorosa, e por isso são tendencialmente mais conservadores.
É este medo de mudar que domina as sociedades envelhecidas como a nossa e que dificulta a sua adaptação a este século XXI, em que tudo evolui a uma velocidade estonteante. Sabemos que quem não acompanhar a mudança do mundo ficará para trás, ultrapassado por povos e países, que sem medo de mudar e sem dificuldade na adaptação às novidades, saltam etapas no caminho da tecnologia, crescimento económico, do desenvolvimento, de uma maior prosperidade e qualidade de vida.
No caso de Portugal, não julguem que o que trava a nossa evolução nasce apenas de políticos e de políticas governamentais. Não. O que nos tolhe o movimento e dificulta o progresso é muitas vezes apenas a cultura de velhos, totalmente avessa à novidade, capaz de elogiar o estrangeiro pela sua capacidade de inovar e simplificar, mas agarrado tenazmente aos rituais administrativos e burocráticos. E neste particular, os que se acham progressistas são às vezes mais conservadores que os que se consideram conservadores. É aparentemente paradoxal, mas não deixa de ser verdade…
O espírito conservador (que existe mesmo nos que se acham progressistas) conduz a que cada um de nós não exija a mudança no seu quotidiano, tendo pelo contrário tendência a privilegiar o que sempre se pensou e fez, e que aceite com inqualificável tranquilidade a imutabilidade das opções governativas: andamos há cinquenta anos a discutir onde vai ser feito um novo aeroporto, já gastamos incontáveis recursos financeiros em estudos, projetos e pareceres, e ainda nem uma pedra se moveu para o conseguir; outro tanto acontece com as linhas de comboio de alta velocidade, com a modernização de muitas escolas, etc. … Na verdade, se o Estado é lento e ineficaz, isso é em boa medida o espelho da nossa própria imobilidade e falta de exigência. Mas mesmo que a maioria na nossa sociedade perceba que é necessário sair da letargia em que andamos, tanto o medo da mudança no abstrato, como o peso da idade das gentes, dão vantagem aos que pretendem que tudo se mantenha sem alterações.
O drama é que neste nosso tempo, sociedade que não consiga evoluir rapidamente e adaptar-se aos desafios de uma mudança permanente, está inevitavelmente condenada à estagnação e a ser ultrapassada pelas que querem e sabem mudar. Vemos que em velocidade alucinante alguns países da Ásia, com a China à cabeça, conseguem evoluir, tanto ao nível da ciência e do conhecimento, como tecnologia e indústria, como mesmo do modo de vida no geral. A África abandona progressivamente os laços com a Europa (veja-se o exemplo da África francófona), que na verdade pouco tem contribuído para o desenvolvimento desse continente e de seus países, e vira-se para a nova potência emergente e para o “Sul Global”. Os Estados Unidos da América secundarizam (ou desprezam mesmo) a “velha” Europa, utilizando-a apenas para extorquir taxas aduaneiras e para vender armas, empurrando-nos para o precipício da total irrelevância estratégica e dependência económica.
Ao mesmo tempo, vejo os governantes dos países do mundo que prezam a sua independência a declarar a vontade de defender os seus. Trump repete “América first” e, quer se goste dele ou não, percebe-se que tenta dar vantagem ao seu país; o mesmo se pode dizer de Putin, de Xi, de Orban, de Starmer, até de Sánchez e de muitos outros governantes de outros tantos países do mundo. Mas nós, em vez de procurar o interesse dos portugueses, continuamos a obedecer aos interesses de supostos “aliados”, que, na verdade, só o são quando isso lhes convém.
Será que estamos a pensar “Portugal primeiro”? Será que estamos a aproveitar as complementaridades com os países africanos de língua oficial portuguesa? Será que estamos a criar uma aliança estratégica real com o Brasil, que já é a décima maior economia do mundo (a 7ª maior economia do mundo em Paridade de Poder de Compra, à frente de países como a França e o Reino Unido) e tem um gigantesco potencial de crescimento? Ou estamos a ser incapazes de defender os nossos interesses próprios, mais preocupados em satisfazer as parcerias de outros tempos que são atualmente desvantajosas para Portugal e para os portugueses?
Talvez seja necessário relembrar que entre Estados não há amizades, mas antes, apenas e unicamente interesses. Será que quem nos governa está a defender os nossos interesses como país e como povo, ou defende os interesses de terceiros a coberto de uma suposta amizade que na verdade, como sabemos, nunca existiu?

COMENTÁRIOS

Nome:
*Email:
Comentário (máx 1000 caracteres):

* O endereço de email não será publicado

Não há comentários para este artigo


07h00 - quinta, 23/10/2025
Porto de Sines
distinguido pelo
Politécnico de Setúbal
A Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) foi distinguida, a 7 de outubro, como Instituição de Mérito Científico e Tecnológico durante as comemorações do 46º aniversário do Instituto Politécnico de Setúbal.
07h00 - quinta, 23/10/2025
Bombeiros de Odemira
têm drone para combate a
incêndios e operações de resgate
Os Bombeiros Voluntários de Odemira adquiriram um drone para apoiar a corporação no combate a incêndios florestais ou em operações de resgate na zona costeira.
07h00 - quinta, 23/10/2025
Feira em Abela
promove artes
e regeneração
Arte contemporânea, sustentabilidade e comunidade “num ambiente rural regenerativo” são os “ingredientes” da terceira edição da Abela Art Faire, evento que se inicia nesta quinta-feira, 23, nesta localidade do concelho de Santiago do Cacém.
07h00 - quarta, 22/10/2025
Câmara de Odemira
promove OP Interno
para trabalhadores
A Câmara de Odemira tem a decorrer, até final deste mês de outubro, a segunda edição do Orçamento Participativo dos Trabalhadores do Município de Odemira (OP Interno), em que estes podem propor e decidir a aplicação de um montante total de 25 mil euros.
07h00 - quarta, 22/10/2025
Camilo Abdula
bicampeão europeu
de surf adaptado
O atleta Camilo Abdula, de Sines, revalidou o título de campeão europeu de surf adaptado (parasurfing), durante os campeonatos realizados em Nigran, na Galiza (Espanha), entre os dias 14 e 19 de outubro.

Proxima Edicaox