quinta-feira, 06/11/2025

Macaqueação

António Martins Quaresma
Há dias, vendo na televisão o início de um jogo de futebol internacional, notei que os jogadores da Selecção portuguesa ouviam o hino nacional abraçados, com exceção de um único jogador que colocou a mão direita sobre o peito.
Sabe-se que a atitude requerida, em Portugal como noutros países, quando se ouve o hino, deve ser de respeito, o que normalmente significa postura direita e braços caídos ao longo do corpo. Já o hábito de criar uma espécie de cadeia humana, cada jogador abraçado, pelos ombros, aos que ficam ao seu lado, enquanto cantam a letra do hino, sem prejudicar a atitude respeitosa, reforça-a e introduz o simbolismo de união, de irmanação, na representação do País. Já vi também imagens de uma selecção de rugby portuguesa na mesma atitude, selecção que, diga-se de passagem, teve um bom desempenho, superior à qualidade média do rugby português. Confesso que esta forma de ouvir e sentir o hino nacional, em termos de desportos coletivos, é a que mais me agrada.
No entanto, vão surgindo, aqui e ali, nas representações desportivas portuguesas, jogadores que põem a mão sobre peito, à altura do coração, quando se toca o hino. Outras seleções, como a brasileira, ou as dos países bálticos, entre muitas outras, também nos habituaram ao mesmo gesto. Simultaneamente, grande parte do público assistente imita os atletas. Aliás, não é só no desporto; igualmente na política partidária, por exemplo, notamos essa forma, algo teatral, de mostrar reverência pelo hino: assim, Bolsonaro no Brasil e Ventura em Portugal.
Não sei quem primeiro colocou a mão sobre o coração para mostrar respeito, mas sei quem hoje o emprega mais, publicamente: os naturais dos Estados Unidos. Um hábito deles; nada a dizer. Mas não podemos deixar de reparar que, por via dos media, todo o mundo já o viu inúmeras vezes. E, seja por mera e cândida imitação, seja como sinal de simpatia ou mesmo firme adesão aos valores culturais e políticos da grande potência mundial, o gesto difundiu-se um pouco por todo o lado. Não é por acaso que as figuras políticas antes referidas o adoptaram; aliás, pelo menos no caso do português, os seus colegas de partido também o repetem, mostrando, além do mais, um território partidário em que o “chefe” é que manda.
A dimensão política, clara ou encoberta, está frequentemente presente neste tipo de gestos imitados. Recordemos o caso muito famoso do jogo entre Portugal e Espanha, em 1938, em pleno domínio do nazi-fascismo na Europa, em que os jogadores portugueses fizeram a saudação nazi. Todos? Não: Quaresma, Simões e Amaro eximiram-se de o fazer, pois “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não” (estrofe de Adriano Correia de Oliveira, Trova do Vento que Passa). Entendamo-nos: há uma diferença qualitativa entre o braço e mão esticados da década de 1930 e a “manita no pêto” dos nossos dias; não estabeleço, pois, uma analogia político-ideológica direta entre os dois.
No fundo, somos obrigados a reconhecer que quem tem poder – económico, mediático, linguístico, etc. – possui capacidade para projetar a sua cultura fora das suas fronteiras. Não é uma situação de interculturalidade, em que duas ou mais culturas em contacto, ocasionam trocas culturais. É uma influência unidirecional baseada no poder. Ainda agora assistimos ao Halloween, que não tem qualquer tradição no nosso País, a ser festejado pelos jovens e não só. Tradição de raiz anglo-saxónica, foi introduzida pelos media, com a colaboração das escolas, de forma completamente acrítica. Aqui, a escola falhou num dos seus objetivos, que deve ser fomentar o espírito crítico dos alunos. Acontece o mesmo com a Black Friday, também em novembro, dia anualmente transformado em apelo ao consumo, com preços especialmente baixos, cuja origem e observância se encontram, igualmente, na realidade americana.
Entretanto, as práticas tradicionais portuguesas ligadas a este período estão em vias de extinção ou, pelo menos, não merecem a atenção dos media e das escolas. Reconheço que a mudança, não a imutabilidade, é a condição normal deste mundo, mas, por vezes, há que falar também em “poder”, em falta de robustez cultural e em carência de espírito crítico.
Talvez o termo “macaqueação”, que dá título a esta crónica, seja um pouco exagerado ou negativo quando aplicado ao fenómeno que considerámos, mas isso também tem a ver com a perspetiva pessoal do autor destas linhas.
Sabe-se que a atitude requerida, em Portugal como noutros países, quando se ouve o hino, deve ser de respeito, o que normalmente significa postura direita e braços caídos ao longo do corpo. Já o hábito de criar uma espécie de cadeia humana, cada jogador abraçado, pelos ombros, aos que ficam ao seu lado, enquanto cantam a letra do hino, sem prejudicar a atitude respeitosa, reforça-a e introduz o simbolismo de união, de irmanação, na representação do País. Já vi também imagens de uma selecção de rugby portuguesa na mesma atitude, selecção que, diga-se de passagem, teve um bom desempenho, superior à qualidade média do rugby português. Confesso que esta forma de ouvir e sentir o hino nacional, em termos de desportos coletivos, é a que mais me agrada.
No entanto, vão surgindo, aqui e ali, nas representações desportivas portuguesas, jogadores que põem a mão sobre peito, à altura do coração, quando se toca o hino. Outras seleções, como a brasileira, ou as dos países bálticos, entre muitas outras, também nos habituaram ao mesmo gesto. Simultaneamente, grande parte do público assistente imita os atletas. Aliás, não é só no desporto; igualmente na política partidária, por exemplo, notamos essa forma, algo teatral, de mostrar reverência pelo hino: assim, Bolsonaro no Brasil e Ventura em Portugal.
Não sei quem primeiro colocou a mão sobre o coração para mostrar respeito, mas sei quem hoje o emprega mais, publicamente: os naturais dos Estados Unidos. Um hábito deles; nada a dizer. Mas não podemos deixar de reparar que, por via dos media, todo o mundo já o viu inúmeras vezes. E, seja por mera e cândida imitação, seja como sinal de simpatia ou mesmo firme adesão aos valores culturais e políticos da grande potência mundial, o gesto difundiu-se um pouco por todo o lado. Não é por acaso que as figuras políticas antes referidas o adoptaram; aliás, pelo menos no caso do português, os seus colegas de partido também o repetem, mostrando, além do mais, um território partidário em que o “chefe” é que manda.
A dimensão política, clara ou encoberta, está frequentemente presente neste tipo de gestos imitados. Recordemos o caso muito famoso do jogo entre Portugal e Espanha, em 1938, em pleno domínio do nazi-fascismo na Europa, em que os jogadores portugueses fizeram a saudação nazi. Todos? Não: Quaresma, Simões e Amaro eximiram-se de o fazer, pois “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não” (estrofe de Adriano Correia de Oliveira, Trova do Vento que Passa). Entendamo-nos: há uma diferença qualitativa entre o braço e mão esticados da década de 1930 e a “manita no pêto” dos nossos dias; não estabeleço, pois, uma analogia político-ideológica direta entre os dois.
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